Sobre a sexualidade masculina

domingo, 17 de maio de 2009

Na época da faculdade, logo no início, eu deveria ter os meus 17 ou 18 aninhos, na disciplina de Fisosofia, a professora deu um texto para cada grupo ler e apresentar para os demais colegas.
Como a disciplina era comum a vários cursos, havia vários homens na sala, bem mais velhos do que eu, e lembro que morri de vergonha na hora que fui apresentar o texto que vou dividir agora com vocês:


Dizem as ferozes feministas
norte-americanas que a idéia de um Deus pai, masculino, é invenção dos homens, com o propósito de tornar as mulheres submissas ao fálus. Por isso, trataram de mudar o sexo de Deus. Pra elas Deus não é deus, é deusa, mulher.
Assino embaixo. Acho que elas estão cobertas de razão. Os poderes divinos que decidem os destinos dos homens têm de ser femininos. Se fossem masculinos eles não permitiriam que se fizesse com os homens as maldades que lhes foram feitas. Basta examinar a assimetria existente entre homens e mulheres para se perceber a situação humilhante dos homens.
Os homens, enganados pela fantasia de que eles têm algo que as mulheres não possuem, não se dão conta de sua fragilidade. E vão ao ponto de, numa incompreensível cegueira para os fatos anatômicos e fisiológicos, dizer que eles ‘comem’ as mulheres. Puro engano.
Comer é o ato pelo qual uma coisa é colocada dentro da boca, a boca sendo um orifício vazio que extrai do referido objeto, por meio de movimentos rítmicos, a sua substância e sucos. Ora, a anatomia é clara: é a mulher que é orifício vazio que recebe o objeto masculino, que ao final aparece murcho e esgotado. Mulher é boca; o homem é a fruta. Ao final, só resta bagaço da laranja. Ao final de todo ato sexual, o homem perde o seu pênis. A mulher, ao contrário, come e engorda. A psicanálise usa dizer que as mulheres sofrem de ‘complexo de castração’ porque algo lhes falta. Equívoco total. Quem sofre essa dor é o homem. É ele que sempre perde o pênis ao final do ato sexual. Com o que elas não têm, elas podem ter quantos quiserem do que o homem tem. Nas palavras de Norman O. Brown, o que acontece com o pênis é coroação seguida de decapitação.
A segunda assimetria é outro castigo das deusas. A par da assimetria anátomo-funcional, a Deusa impôs ao homem um castigo de honestidade. Não lhe é possível esconder ou fingir. Ele não pode, por meio de uma decisão racional, dar ordens ao pênis.
O pênis tem idéias próprias, não obedece, só faz o que lhe apraz.
Para a mulher é diferente. Ela não corre o risco da humilhação. Por meio de uma decisão racional, ela pode ter uma relação com a pessoa que ama, pode fingir, e o outro nem percebe. Talvez o maior prazer de uma relação sexual seja o prazer de ser objeto de prazer do outro. ‘O outro me deseja. Eu posso satisfazer o seu desejo’. Babette, cozinheira maravilhosa, tinha prazer não em comer a comida que preparava - ela só provava. O seu prazer estava em dar prazer. Isto, sobre o comer na mesa, vale para o comer na cama. E a mulher é como a Babette. Ela pode dar prazer sempre que desejar. O que não acontece com o homem.

O venerável Santo Agostinho declara, na sua obra De Civitate Dei, que este foi o primeiro castigo que as divindades infligiram sobre o homem: elas separaram o pênis da razão, de sorte que o dito-cujo se pôs a fazer coisas que não devia, nos momentos impróprios, e a não fazer as que devia, nos momentos próprios. Por isso os deuses, com dó dos homens, os cobriram com roupas: para esconder a vergonha. E haverá coisa mais vergonhosa que um pênis insensível ao desejo de uma mulher? Zorba dizia que esse era o único pecado por que o homem ia para o Inferno. Santo Agostinho arremata que o ideal seria que o órgão masculino funcionasse do mesmo jeito como funciona o dedo, movendo-se, sem nunca desobedecer, por ordem da razão. A que todos os homens nascidos e por nascer respondem: ‘Amém!’
Depois vem a fantasia de que ‘ela é areia demais para o meu caminhãozinho’. Claro que há sempre o recurso de se fazer duas viagens. Mas a assimetria continua. Dito em linguagem culinária: ‘minha comida é muito pouca para a fome dela’. Dito em linguagem técnica: ‘eu, como objeto do desejo, sou pequeno demais para o desejo dela’. E as mulheres são as primeiras a falar sobre o tamanho enorme do seu desejo. ‘Para o meu desejo, o mar é uma gota’, diz a Adélia. Ah! Então seria preciso que os homens fossem deuses para satisfazer esse desejo oceânico!
Aí os homens começam a ter medo do desejo da mulher. ‘Melhor uma mulher sem desejo. Pois se ela não tiver desejo, não passarei pela humilhação de não poder satisfazê-lo.’ Por isso os homens de gerações passadas queriam noivas virgens, não por razões religiosas de pureza, mas para impedir a possibilidade de comparação. O homem não suporta imaginar que o desejo de sua amada, que ele não consegue satisfazer, possa ser satisfeito por outro. Daí o terror da infidelidade da mulher. Não, não se enganem. A ferida não é ficar sem ela, a dor não é a perda dela. A dor maior, insuportável, é narcísica. Pois ‘ao me ser infiel e me abandonar ela está proclamando aos quatro ventos a minha incapacidade de satisfazer o seu desejo: ela revela o segredo da minha incompetência’. O que vai ser insuportável para o homem não é a ausência da mulher, mas os olhares dos seus pares, homens. A identidade sexual também se define, ‘homossexualmente’, pela confirmação dos outros do mesmo sexo. ‘A minha masculinidade deve ser reconhecida não só pela mulher como também pelos meus pares.’ Saunas não deixam de ser santuários de reconhecimento. Mas se a mulher não tiver desejo, o homem estará protegido deste horrível perigo metafísico. A virgindade, a ablação do clitóris praticada por certas tribos africanas, a indiferença sexual e, no seu ponto extremo, o crime de amor são formas de possuir a mulher através da destruição do seu desejo. ‘Uma mulher sem desejo será sempre minha.’
A aparência bruta, os músculos moldados pelos halteres, as estórias de proezas sexuais, a produção visual de acordo com os padrões masculinos – todos estes são artifícios de um ser amedrontado diante do mistério fascinante da mulher. ‘Tão fraca, tão frágil – e, no entanto, é diante dela que vou me revelar. Será ela que me revelará se eu sou comida capaz de matar a sua fome.’ Os que não sentem ansiedade são aqueles que não entendem, semelhantes aos cachorros: ainda não ouviram a notícia. Dentro em breve a sua carne os surpreenderá com o recado. E daí para frente eles estarão permanentemente perdidos.Agora me digam: as deusas tinham necessidade de fazer tal maldade com os homens?


Rubem Alves. Sobre o tempo e a eterna idade. Campinas: Papirus, 1995.

 
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